Pele de Embrulho na TV Shop
São rosas senhor
 
 
 
 
Dez anos depois
Talvez eu seja daqui
Pele de Embrulho
Da minha boca de luz / Do meu ventre de luz / Dos meus olhos de luz
 
 
Bocas e beijos
Abraça-me
Porto 2001, Rio de Janeiro 2003
Foi como um sonho
 
 
Objectos espelho
 
Será pão
No conforto de um beijo
Como um reflexo
 
Serão rosas
Do meu umbigo de prata / Do meu beijo de prata / Do meu dedo de prata
 
 
 
Karnapidásana
2005
Pele de Embrulho
Papel de embrulho mate em quadricromia com 90 gr/m2
100 x 70 cm
Tiragem: 1500 exemplares assinados
Pele de Embrulho

 


Da afectividade enquanto processo
Miguel Von Hafe Pérez. Setembro 2005

O trabalho de Rute Rosas tem vindo a construir-se na intersecção de formas que denotam um forte impulso vitalista e a continuada exploração do corpo enquanto suporte de registos mais ou menos auto-biográficos. Esta dimensão auto-referencial funciona mais como um ponto de partida mediante o qual a artista se relaciona com a sua envolvente, do que propriamente como indagação da sua dimensão social, política ou estética. Ou seja, o regime da representação estabelece mais uma escala de relacionamento directo com o fruidor, do que esclarece sobre qualquer tipo de narratividade biográfica. Assim, o que se tem evidenciado nos últimos projectos desta artista é uma preocupação no processo em que estes se desenvolvem, em detrimento da convencional estrutura de apresentação/recepção das propostas.

“Pele de embrulho”, título da actual exposição, remete exactamente para essa dimensão processual, nomeadamente no desenho de toda uma nomenclatura expositiva que se apropria da economia do sistema das artes para a subverter simbolicamente num circuito de afectos onde o espectador é convidado a integrar-se. No espaço da galeria Rute Rosas forrou uma parede com os trabalhos “Bocas e beijos”, que consistem em caixas de espelhos que contêm imagens fotográficas da sua boca invadida, trespassada ou servindo de suporte a objectos tridimensionais que criam conjuntos inusitados, onde o cómico alterna com o trágico. O fruidor é convidado a observar as obras em diferentes situações – o que é concretizado por pequenos escadotes colocados em frente a essa parede –, pois do ponto em que este as observa vai variando o modo como se vê reflectido no interior das caixas.

No extremo oposto da sala de exposição, numa montagem que replica os locais de embrulho de qualquer estabelecimento comercial, encontramos papel de embrulho com a reprodução de dois corpos que se abraçam. O trânsito constante entre a dimensão afectiva (o abraço) e funcional (o papel para embrulhar) situa a intervenção da artista, como se disse, num plano que tenta curto-circuitar o modo como convencionalmente separamos as esferas do amor e do trabalho, do prazer e da produtividade. Ora este papel destina-se a embrulhar obras que eventualmente sejam vendidas, o que um colaborador da galeria terá de executar mediante um conjunto de determinações prévias: a obra retirada da parede terá de ser fotografada e no seu lugar colocada uma polaroid com a sua reprodução (mais uma vez replicando um modelo de acção alheio, isto é, o do sistema museológico, que costuma colocar nas paredes fotografias das obras retiradas para empréstimo ou para restauro). De seguida, o comprador é convidado a deixar uma mensagem numa fotografia que envolve a mesa onde se fazem os embrulhos que reproduz a parede ainda com as obras todas, mais especificamente em cima da imagem da obra adquirida. Neste processo, à partida controlado pela artista, muito naturalmente se vão tecendo intercâmbios de experiências positivas (pois este será, com certeza, o estado de espírito de quem se predispõe a adquirir um trabalho), numa circularidade que parece ter sido precisamente concebida para se tornar imune a qualquer tipo de influência ou leitura negativa do exterior.

Este optimismo e o anteriormente referido ímpeto vitalista que os projectos de Rute Rosas denotam contrastam violentamente com o pessimismo e o estado de ansiedade constante a que as sociedades contemporâneas parecem estar condenadas; no entanto, tecendo a sua estratégia criativa a partir de uma visão que não deixa de ser irónica e por vezes conflituante com questões críticas da realidade que a envolve – como sejam os papéis atribuídos à mulher no quadro das relações privadas e públicas na sociedade actual, ou os modos de visibilidade/distribuição do trabalho artístico num contexto fortemente determinado pelo poder económico que o sustenta –, a artista parece indicar o espaço da afectividade como espaço vital de nivelamento das contradições que marcam o ritmo das nossas acções. Assim, é a partir dos pequenos gestos e nos pequenos prazeres, que se vão erigindo alternativas positivas àquilo que nos parece inevitável e fatalmente determinado. E é acolhendo e confrontando-nos com todo o tipo de situações – num fluxo que a artista metaforiza na intersecção da imagem da sua boca com as incidências a que a mesma é sujeita –, que melhor nos preparamos para saber valorizar a simplicidade e a energia dos momentos de felicidade de que tão irracionalmente nos afastamos quotidianamente.