Pele de Embrulho na TV Shop
São rosas senhor
 
 
 
 
Dez anos depois
Talvez eu seja daqui
Pele de Embrulho
Da minha boca de luz / Do meu ventre de luz / Dos meus olhos de luz
 
 
Bocas e beijos
Abraça-me
Porto 2001, Rio de Janeiro 2003
Foi como um sonho
 
 
Objectos espelho
 
Será pão
No conforto de um beijo
Como um reflexo
 
Serão rosas
Do meu umbigo de prata / Do meu beijo de prata / Do meu dedo de prata
 
 
 
Karnapidásana
2005
Talvez eu seja daqui
vídeo
IMAN projecto transdiciplinar, curadoria Alexandre Costa, Casa das Artes, Famalicão
Talvez eu seja daqui

 

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rute rosas na casa das artes de famalicão
Suzana Vaz. maio-junho 2005.

Rute Rosas mostra peças de dois trabalhos de 2004, pertencentes ao ciclo em que a artista consagra a próprio corpo, exposto agora sem reservas, como ícone central do seu discurso artístico desde sempre auto-referencial e autobiográfico. As peças são complementares, mostrando indicações e ressonâncias de práticas culturais iniciáticas que envolvem o complexo corpo/mente e apontam um sentido de pertença, de identidade metafísica e de devir espiritual.

As duas fotografias de grande escala colocadas em outdoor na fachada principal do edifício da Casa das Artes, intitulam-se Karnapidásana, nome que designa o ásana de Yôga em que a artista se fez fotografar. O vídeo Talvez eu seja daqui, filmado na Prainha do Rio de Janeiro em Abril de 2004 e projectado na cave, entre o espaço e o ruído das infra-estruturas de energia e ar que alimentam o edifício, mostra Rute Rosas enquadrada pelo mar, estática e de pé na infindável rebentação das ondas, com o corpo a escorrer a água que lhe cai sobre a cabeça.

O despojamento plástico e o rigor compositivo das peças enfatizam a presença desse ícone magnético e comunicam a sua suficiência, impoluta e desarmante. Por ser extremo, o uso do próprio corpo em nu integral - descoberto para o mundo - reveste-se de circunstâncias especiais: regista a descoberta do mundo pela qual se opera um renascimento, uma transição ontologicamente venturosa, em correspondência directa com o momento biográfico vivido. No seu testemunho de transformação pessoal, a realidade física íntegra é a concretização literal do campo empírico da ontologia, afigurando-se como veículo e suporte privilegiados da mudança, e do campo empírico da metafísica, simultaneamente o objecto e o sujeito da realização da aspiração à transcendência.

Em Karnapidásana, mostrando um ásana (posição) do asthánga sádhana (prática em oito partes) do Yôga, Rute Rosas afirma o corpo tal como este é entendido pela psico-tecnologia de tradição hindu: um complexo corpo/mente de dimensão energética subtil, susceptível de superar a contingência material, biológica, psicológica ou outra. O Karnapidásana, também chamado Halásana, é uma posição de inversão sobre os ombros, que «desenvolve a glândula tiróide, fortalece os pulmões e o coração, e confere elasticidade à coluna vertebral» [1]. No asthánga sádhana (prática em oito partes, respectivamente e por ordem, mudrá, pújá, mantra, pránáyáma, kriyá, ásana, yôganidrá, samyama), o ásana é «a parte mais conhecida e característica do Yôga para o público leigo (…) [consistindo em] exercícios psicofísicos que produzem efeitos (…) de boa forma, flexibilidade, musculatura, equilíbrio de peso e saúde em geral (…) [devendo ser] precedidos pelos kriyás, pránáyámas, etc. (…) [e cujos efeitos] começam a manifestar-se a partir do yôganidrá» [2].

Em Talvez eu seja daqui, a artista expressa o seu sentido de identidade e comunhão com um Brasil mítico, ‘antropofágico’[3], evocando um património cultural comum e paradoxal - o do corpo nu(primevo)/cristianizado - no baptismo simbólico ao qual parece submeter-se numa praia do Rio de Janeiro, chegada à outra margem do Atlântico. Deste modo, o conteúdo estético (plástico e poético) de Talvez eu seja daqui pode ser entendido como uma evocação da vanguarda neo-concreta brasileira, indicativa da importância que a referência antropofágica tem no trabalho artístico de Rute Rosas, designadamente pelas obras de Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, com as quais partilha o intuito multissensorial e participatório.


1. SIVANANDA, Swami, Kundalini Yoga, Divine Life Society, Yoga-Vedanta Forest Academy Press, Shivanandanagar, 2001.

2. DEROSE, Mestre, Encontro com o Mestre, Matrix, São Paulo, 2002. P. 126: «mudrá:gesto reflexológico feito com as mãos; pújá: retribuição ética de energia, sintonização com o arquétipo; mantra: vocalização de sons e ultra-sons; pránáyáma: expansão da bioenergia através de exercícios respiratórios; kriyá: actividade de purificação das mucosas; ásana: técnica corporal; yôganidrá: técnica de descontração; samyama: concentração, meditação e samádhi.»

3. O Manifesto Antropofágico, de 1928, da autoria de Oswald de ANDRADE, é um enunciado da vanguarda modernista brasileira, retomado pelos Neo-Concretistas Hélio Oiticica, Lygia Clark e Lygia Pape, e preconizado como a ‘incorporação do outro’, porém «não numa utopia modernista, mas na “desesperada busca de felicidade”, em actos de rebelião, na compaixão e fineza do samba, no improviso dos construtores de barracas, na terra, nos objectos abandonados nas lixeiras da cidade (onde encontram) indicações de uma nova cultura» (BRETT, Guy, in Out of Actions, between Performance and the Object, 1949-1979 [The Geffen Contemporary, Museum of Contemporary Arts, Los Angeles, Feb. 8 – May 10, 1998], Thames & Hudson, London, 1998).