ÁGUA DE COLÓNIA
DENTRO DE MIM
 
"...POUCOS EXISTEM QUE AINDA SAIBAM..."
DOIS DEDOS DE CONVERSA...
DA AFECTIVIDADE ENQUANTO PROCESSO
"EM CONVERSA"
RESPIRA
ÁGUA DE COLÓNIA
 
 
ENTRE O CORPO E A PAISAGEM
"NÃO HÁ PRÍNCIPE AZUL NO ELEFANTE COR-DE-ROSA"
 
 
 
 
“UNUS MUNDUS”: SOBRE COMO VIVER JUNTO
MAMÃ, DEIXA-ME ANDAR DE ESCULTURA?!
 
 
 
 
ALGUMAS QUESTÕES EM TORNO DA INVESTIGAÇÃO SENSORIAL
RESPIRA

"...POUCOS EXISTEM QUE AINDA SAIBAM..."


Mª DE FÁTIMA LAMBERT, MAIO/JUNHO, 2008

Rute Rosas - Desde os primórdios foi lugar de culto. O corpo edificou-se logo nas primeiras manifestações colectivas, pautando-se pelo inefável na beleza que se esvaziava nas matérias e nos símbolos que as conformavam — máscaras, estatuetas, fetiches... Nas comunidades arcaicas e tradicionais, de componente holista, comunitária, é o corpo, mas o corpo que abarca e atravessa todos os corpos individuais: é um corpo que contém em si a herança dos mortos e a marca social dos ritos — comunicação corporal tribal. No domínio da comunicação dos signos, como no da sua apreensão e tradução, o que permitia que nos códigos fossem transmitidos e compreendidos era uma determinada função do corpo. O corpo comunitário implica uma vivência do corpo singular como não separado, não isolado das coisas e dos outros corpos. O "corpo próprio" erigido em conceito pela fenomenologia é um produto do Ocidente. Apenas pode ser pensado como tal - isolado -a “quem empresta o seu rosto”; concebível somente nas estruturas sociais de tipo individualista onde os homens se encontram separados uns relativamente aos outros, quanto a seus valores e iniciativas – na sua axiologia e na sua praxis e pragmática. A singularidade do "indivíduo" não é a de um eu com corpo distinto - com os seus órgãos, a sua pele (em devir, eu-pele, seguindo Didier Anzieu), a sua afectividade, os seus pensamentos separados do resto da comunidade - mas sim a de um corpo em comunicação com toda a natureza e toda a cultura e tanto mais singular que se deixa atravessar pelo maior número de forças sociais e naturais. Rute Rosas – FRAGMENTOS DE MIM (2007) -toma a fisicalidade dividida de si mesma, sistematizando unidades individuadas do seu corpo não somente como percepto mas como vestígio directo trazido através de moldes que se quase eternalizam em substâncias volumetrizadas. Algumas asseguram-se de sua parcela divinatória, ganhando propriedade enquanto relíquias breves. Os corpos recuperam a sua completude através da separação de seus elementos constitutivos, aqueles que melhor os explicitam: mamilos, dedos que rasgam paredes; lábios – PROCURANDO CONFORTO NUM BEIJO (2006), umbigos que são metonímias…As fisionomias recorrentes do eu no corpo próprio, visto como espectador, em frente de instantâneos de razão e sensibilidade. Topos sagrados ou profanos, prata e bronze que encontram a matericidade redentora para o milénio — proposta de Calvino ou anjo de José Jimenez. E na plenitude alegórica de formas erectas, dominam as sobreposições, compactos figurais e sinalética dos corpos.

“Me levanto em teus espelhos
 me vejo em rostos antigos
 te vejo em meus tantos rostos
 tidos perdidos partidos
 refletido
 irrefletido…”, de Ferreira Gullar, Poema Sujo, Obra Poética, Famalicão, QUASI, 2003,   pag.302


(retirado do texto da exposição “...poucos existem que ainda saibam...”, com obras de Catarina Saraiva, Pedro Valdez Cardoso e Rute Rosas. Curadoria de Mª de Fátima Lambert, Quase Galeria, Porto, Junho/Agosto, 2008)