ÁGUA DE COLÓNIA
DENTRO DE MIM
 
"...POUCOS EXISTEM QUE AINDA SAIBAM..."
DOIS DEDOS DE CONVERSA...
DA AFECTIVIDADE ENQUANTO PROCESSO
"EM CONVERSA"
RESPIRA
ÁGUA DE COLÓNIA
 
 
ENTRE O CORPO E A PAISAGEM
"NÃO HÁ PRÍNCIPE AZUL NO ELEFANTE COR-DE-ROSA"
 
 
 
 
“UNUS MUNDUS”: SOBRE COMO VIVER JUNTO
MAMÃ, DEIXA-ME ANDAR DE ESCULTURA?!
 
 
 
 
ALGUMAS QUESTÕES EM TORNO DA INVESTIGAÇÃO SENSORIAL
RESPIRA

"EM CONVERSA"


IN VOCA01
REVISTA DE ARTE NO PORTO, PP.48-51. JULHO 2008

Voca – O seu trabalho é auto-biográfico ou ficcional? Ou, ainda noutra perspectiva, talvez procure apenas o registo de um imaginário interior mas não necessariamente pessoal...

Rute Rosas – O que faço é auto-referencial, auto-biográfico, mas é igualmente ficcional.
Crio outras realidades.
Não se trata de um álbum ou de um diário. Não pretende ter uma narrativa. Não se concentra apenas em mim. Parte de mim.
Se fosse um diário não o expunha.
Mas também é verdade que é a minha vida.
Acontece que a minha vida tem muito de semelhante à vida de qualquer outra pessoa, e como costumo dizer: mais importante do que nos afasta é aquilo que nos aproxima.
Desta forma, além do exercício da auto-consciência, da auto-crítica, preciso de estar envolvida com o que me rodeia, com o Outro.
Sem esse Outro, nada faz sentido. Eu não existo.
(…)

V. – Percebemos então que se trata de um processo reflexivo. Partindo dessa interacção com o Outro e sendo que o seu trabalho se desenvolve num âmbito de auto-conhecimento, que benefício procura retirar dessa transição interior/exterior, da esfera pessoal para o espaço público?

R.R. – Reflexivo/introspectivo, ou vice-versa. Reflexivo no sentido do espelhamento desse tal Outro e do Si (self) ou dos outros que existem em mim e que, por vezes me surpreendem. As experiências vivenciais são muito gratificantes mas mais importante é a atenção que lhes prestamos e o que retiramos delas.
Há homens e mulheres que vão cruzando as nossas vidas, de passagem ou de forma mais permanente e que nos marcam com as suas próprias experiências ou com as suas obras, os seus escritos, ou testemunhos, as suas conversas, os seus olhares, confissões, gestos…
Quando exponho, ou coloco uma obra minha em contacto com os fruidores/público, proponho apenas uma coisa que é muito simples mas simultaneamente das mais complicadas de conseguir no séc. XXI: um pouco de predisposição, atenção.
A palavra interacção está tão banalizada que parece não se saber o que significa. Um diálogo é um processo magnífico de interacção. Mas é necessária alguma entrega para existir acção e reacção.
Acredito na possibilidade de “tocar” o Outro. Seja por um momento, numa reflexão, enaltecendo ou fazendo-o relembrar/recordar, activar o que parecia estar escondido, ou esquecido.
Acontece que poucas vezes são aquelas em que sei se o consegui, mas não sei desistir, não quero, não posso, nem sei explicar o motivo.

V. – Mais que um público homogéneo, interessa-lhe antes tocar a pessoa individualizada “o outro”. Esse momento de predisposição de que fala poderá então ser um momento de identificação mútua em que o individuo se reconhece no seu trabalho e o seu trabalho ganha significação na leitura que o próprio indivíduo faz dele.
Interessa-lhe provocar dualidade familiaridade/desconforto no fruidor do trabalho?

R.R. – Prefiro a terminologia fruidor - participantes activos fisicamente ou não, dependendo daquilo com que se deparam. Os motivos são diversos mas, no que diz respeito a esta conversa, penso que faz sentido enquadrá-la na questão da pluralidade e da diversidade.
Esse Outro é heterogéneo, com características comuns como o facto de serem humanos, mas com as suas singularidades que tornam cada um de nós único e simultaneamente próximo e semelhante.
Na Arte interessa-me quase tudo, excepto o que não o é. Já não é pouco.

V. – E o Porto?

R.R. – O Porto é a minha terra Natal. Aqui nasci, cresci e aqui vivo e trabalho.
Sou amante do meu idioma, de algumas tradições e orgulhosa das minhas raízes. A minha identidade é esta. Se tivesse nascido e crescido noutro local seria diferente.
Por tudo isto sou, igualmente, bastante crítica relativamente aos portugueses, ao Porto, e a Portugal.
O Porto não poderá nem deverá tentar ser, em meu entender, uma metrópole. Ser uma grande aldeia cosmopolita com cada vez melhores condições de vida, com direito a tudo o que uma cidade tem, fica-lhe bem.
Quanto às Artes ou ao panorama artístico… parece-me que é fundamental viajar e conhecer outras realidades para perceber a nossa.
O Porto não é melhor nem pior que outros locais. É o que é. Tem a gente que tem. Com enormes defeitos como em qualquer outro local e também as suas virtudes.
Os problemas do panorama artístico não estão nas cidades, nos locais… estão sempre nas pessoas. Nós todos somos responsáveis pelo que temos. Uns mais, outros menos. Questões políticas, sociais, de investimento económico e humano na educação, na cultura, na formação e na informação das populações, são paralelas e/ou transversais à produção artística e ao panorama artístico.
Digamos que esta última parte da resposta, não deixando de ser verdadeira, é bastante conveniente.
De qualquer maneira podemos tentar fazer alguma coisa. Eu faço aquilo que posso e que acho que o sei fazer a partir da minha experiência: fui aluna, adolescente, sou professora, artista plástica, mulher, cidadã.
Aprendi com o que recebi de positivo e negativo, o desejável e o indesejável, o que observei, … O que senti, me fez rir ou chorar, …
Como professora aprendi a fornecer as ferramentas que não recebi e que me fizeram falta, a dar continuidade a alguns ensinamentos que não esqueci em todo o meu percurso enquanto estudante por parte de alguns professores e artistas, poucos infelizmente, que guardo dentro de mim.
No mesmo sentido aprendi que é muito importante dar acompanhamento aos alunos e contribuir, caso se interessem por isso, para prepará-los para a vida profissional. Estar do lado deles na ajuda da construção dos seus alicerces para que se sintam mais seguros. Sinto-o como uma obrigação moral e ética.
Tenho assistido aos resultados desse trabalho e sinto-me muito feliz. Alguns ficaram amigos e colegas e outros colegas bem sucedidos.
Comunico-o porque não se trata de colocar os jovens a trabalhar para mim, a serem meus assistentes, mas a orientá-los nos seus projectos pessoais e procurar promovê-los de alguma forma, nem que seja na sua primeira exposição pública.
Considero que não há concorrência na Arte. A Arte é muito superior a isso.
Valorizo as estratégias éticas.
Querer ser “estrela”? Querer ser “artista”? Não entendo. Não perco tempo a procurar responder a essas questões. Os média respondem por mim.
Quanto ao Tempo… quem sabe.
As minhas obras e as exposições ou projectos que realizo com regularidade nos mais diversos espaços, acontecem desde que estes me agradem e consiga conversar, criar uma base simples de entendimento, com as pessoas que me convidam para o fazer. Tenho de me sentir livre para chegar ao acordo. E assim criam-se os diálogos, não é?



Excerto de uma conversa/entrevista realizada pela Voca via e-mail durante o mês de Maio de 2008.